Roberto Gonzalez*
Em uma organização, quando o assunto é governança corporativa, todos os departamentos são importantes e merecem a máxima atenção. Claro que existem áreas que são mais sensíveis e por esta razão exigem atenção maior. É como o corpo humano. Todos os órgãos são importantes. Não dá para viver sem rim ou sem pulmão, ou sem intestino, embora existam paliativos médicos para manter a pessoa viva até que uma solução seja encontrada. Mas existem alguns órgãos como cérebro e coração que não podem faltar de jeito nenhum, nem por poucos minutos, pois a morte é praticamente certa.
E assim também é em uma organização empresarial. Ter um RH cheio de inconstâncias gera problemas diversos envolvendo funcionários. Um departamento de controle de qualidade com protocolos inadequados deixa passar falhas que não deveriam, o que prejudica a imagem da instituição perante o consumidor, sem contar os custos para solucionar o problema (refazimento, logística e até jurídico).
Mas pense quanto duraria uma empresa cuja área de contabilidade funciona mal? Se a contabilidade não é o cérebro, pois este título cabe ao setor de gestão, é, no mínimo, o coração da companhia. No meu entender, os pilares de sustentação de um bom departamento de contabilidade são praticamente os mesmos usados no conceito de governança corporativa. Explico melhor. A governança bem aplicada implantará os pilares em todos os departamentos. Mas imagine uma corporação que ainda não conta com uma governança estruturada. Pelo menos a contabilidade precisa estar sustentada em práticas saudáveis, sob o risco de a companhia toda cair.
E quais são esses pilares. Assim como na governança corporativa como um todo, a Transparência é o principal pilar. Mas ela necessita de outros em seu DNA como a equidade e responsabilidade. E a razão é simples, a contabilidade é o setor responsável pela organização financeira da empresa. Por meio desta área é que os gestores conseguem saber se houve lucro ou prejuízo, onde é possível realizar cortes, quais áreas necessitarão aumentar algum tipo de despesa. Enfim, é dali que saem as informações básicas e necessárias para a tomada de decisões.
Qualquer prestação de contas que precise ser feita tem como partida as informações, os relatórios elaborados pelo setor contábil. Números confiáveis explicam e solucionam conflitos entre os interesses dos stakeholders. Como se vê, as práticas exigidas para o bom funcionamento desta área também se aplicam à governança corporativa. Não por acaso é este departamento que costuma servir de modelo para a implantação da governança na organização como um todo.
Quando os pilares citados não são respeitados estouram escândalos como aconteceu com a Americanas recentemente, só para ficar no exemplo de maior repercussão. Uma fraude contábil prejudicou a imagem não só da empresa, mas de todo o setor e prejudicou milhares de acionistas minoritários. A ação que custava em torno de R$ 12 em janeiro de 2023 hoje está sendo negociada por cerca de R$ 0,30.
Observem que os setores de compra e de venda, o marketing, a logística etc, “pareciam” funcionar bem. Mas a contabilidade falhou feio, pois não trabalhou em cima dos pilares de sustentação. O resultado está aí. Por esta razão, ouça um conselho: jamais meça esforços para cuidar da área de contabilidade. A precisão de seus números depende de interpretações, já que é uma ciência social, mas não podemos jamais deixar espaço para manobras ou maquiagem.
(*) Roberto Gonzalez é consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas. É autor do livro "Governança Corporativa - O Poder de Transformação das Empresas"