É um exemplo de superação! Lutou de igual para igual! As frases ditas por muitos ao ver a mesatenista Bruna Alexandre, que teve o braço amputado aos três meses e se tornou a primeira brasileira em Olimpíada e Paralimpíada, são exemplos de como o capacitismo está arraigado em nossa sociedade e, nem ao menos, percebemos.
Em depoimento, ela lembrou o assédio quando foi convocada para os Jogos Pan-Americanos em Santiago-2023, ao afirmar que as pessoas queriam saber como consegue jogar. “Passava em qualquer lugar e todos me olhavam. Não dá para esconder que me falta um braço. Esse assédio, curiosidade, nunca tinha acontecido comigo antes”.
Considerada uma das mais recorrentes formas de preconceito contra pessoas com deficiência, o capacitismo pode ser definido como a discriminação ocorrida por meio de determinados tratamentos, formas de comunicação, práticas, barreiras físicas, arquitetônicas e atitudinais que impedem o pleno exercício da cidadania dessas pessoas. Muitas vezes, cometido por ignorância ou falta de empatia, o capacitismo se torna um atraso social e até econômico.
Para se ter ideia sobre o quão o preconceito está arraigado e normalizado em nossa sociedade, basta observar os últimos dados disponibilizados pelo IBGE e MDHC. Segundo a pesquisa, com base nos dados de 2022, a taxa de analfabetismo para as pessoas com deficiência foi de 19,5%, enquanto entre as pessoas sem deficiência é de 4,1%, quase cinco vezes menor. Somente 25,6% das pessoas com deficiência tinham concluído pelo menos o ensino médio naquele ano. Para as pessoas sem deficiência, o percentual era de 57,3%.
Os dados refletem as dificuldades infinitamente maiores que as pessoas com deficiência enfrentam para conseguir estudar. E aqui vale algumas reflexões. As escolas públicas e privadas contam com acessibilidade arquitetônica para a inclusão de todos? Os professores estão preparados? Os alunos que não têm deficiência estão sendo educados para mudar suas atitudes e não promover o capacitismo nas escolas? Vale lembrar que neste levantamento não estão inclusos os neurodiversos que também são vítimas do capacitismo.
A desistência dos estudos faz com que estes trabalhadores acabem ocupando cargos que não exigem muita capacitação, o que leva a um enorme abismo entre as rendas. O IBGE destacou em sua pesquisa de 2022 que o rendimento médio real recebido pelas pessoas ocupadas com deficiência era de R$1.860, enquanto o das pessoas ocupadas sem deficiência era de R$2.690.
Mas, mesmo aquelas pessoas com deficiência plenamente capacitadas para exercer cargos de liderança e alçar voos maiores, se deparam com limitadores impostos pela sociedade. A cultura capacitista limita o mercado de trabalho, independentemente de seu grau de escolaridade. Segundo o IBGE, 51% das pessoas com deficiência que contam com curso superior completo estão empregadas, contra 80,8% das pessoas sem deficiência. Outro dado preocupante é que, nos cargos de chefia, somente uma de cada 200 vagas é destinada a PCDs, conforme os números apresentados pelo Dieese.
Seja na escola, no ambiente de trabalho ou no dia a dia, as pessoas com deficiência se deparam com atitudes que prejudicam seu desempenho, subestimam sua capacidade e acabam por fazê-las, muitas vezes, desistir de estudar, de alçar cargos mais elevados e crescer profissionalmente. Assim como a atleta Bruna Alexandre, são profissionais altamente preparados para exercer suas atividades, mas que se tornam inferiorizados por olhares, frases mal colocadas ou falta de visão dos seus gestores em dar oportunidades para que mostrem seus talentos. Com isso, perde a sociedade, perde a economia e perde a humanidade.
(*) Valmir de Souza é COO da Biomob, startup especializada em soluções de acessibilidade e consultoria para projetos sociais