A teoria do cobertor curto que ao aquecer um lado do corpo deixa o outro desprotegido pode ser usada em diversas situações da atividade econômica do país. Um desses casos é a relação do aumento do número de vagas de emprego com as dificuldades do mercado de saúde. Se por um lado existe uma certa euforia com o aquecimento do mercado de trabalho, por outro existe uma preocupação com a aceleração do volume de gastos.
Vamos aos números. Segundo dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, somente no mês de julho foram abertos 188.021 postos de trabalho com carteira assinada. O indicador mede a diferença entre contratações e demissões. Nos sete primeiros meses do ano, foram abertas 1.492.214 vagas. Esse resultado é 27,2% mais alto do que no mesmo período do ano passado.
Enquanto isso, dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) revelam que 71% dos planos de saúde privados são corporativos. Isso significa que novos empregos aceleram os gastos com saúde, pois mais pessoas passam a utilizar os serviços.
Um agravante nesta análise é o fato de que em uma transmissão recente, a ANS divulgou um dado impressionante: a soma de todo o montante financeiro de eventos indenizáveis líquidos contabilizados pelas operadoras em 2023 já supera todo o orçamento público federal para a saúde no mesmo período.
Na teoria, o plano de saúde é um serviço que fornece atendimento na área da saúde, através de exames, consultas e procedimentos, de modo contínuo, mediante o pagamento de um valor mensal pelo cliente. Seu objetivo é ofertar assistência médica, hospitalar e/ou odontológica ao consumidor, respondendo à demanda que excede a capacidade de atendimento da rede pública.
Desta forma, se a soma de todo o montante financeiro de eventos indenizáveis se tornou maior do que todo o orçamento público federal para a saúde no mesmo período fica óbvio que a lógica do sistema está invertida.
Na prática, o ecossistema de saúde atual se assemelha a um conjunto de blocos interconectados. Qualquer alteração em um desses blocos inevitavelmente afeta os demais, criando um efeito dominó.
Isto deve ser sempre levado em consideração em momentos como o atual no qual todo o ecossistema da saúde estuda fórmula sobre como lidar com os reajustes anuais de dois dígitos percentuais solicitados pelas operadoras de planos de saúde.
Neste coquetel ainda precisam ser acrescentados ingredientes como as fraudes que drenam volumes significativos de receitas do sistema e a falta de estruturas conectadas e colaborativas de captação e tratamento de dados que poderiam facilitar a tarefa de desenvolver soluções e iniciativas baseadas em tecnologias emergentes para oferecer saídas para este labirinto garantindo a qualidade da prestação do serviço e a sustentabilidade financeira da indústria.
A verdade é que o negócio de uma operadora de Saúde na sua essência envolve a melhor precificação de risco em questão, assim como uma instituição financeira. Este mercado está mudando muito, mas em geral essas empresas assumem este risco sem ter o completo controle da cadeia de suprimentos, fornecedores e todo o resto.
Diminuir risco significa assumir o controle do máximo possível dos aspectos da operação. É neste ponto que a tecnologia acena como uma das mais importantes aliadas deste segmento. Existe uma efervescência significativa das chamadas healthtechs, como são chamadas as startups que atuam na área da saúde. Esses empreendedores estão se debruçando no desenvolvimento de soluções inovadoras com o objetivo convergir os mecanismos de coleta, processamento e transformação de dados em inteligência de negócios para proporcionar maior assertividade nas decisões que são tomadas todos os dias na área da saúde não só em termos de medicamentos e procedimentos médicos, mas também em termos administrativos financeiros.
Infelizmente, o ritmo desta evolução não está sendo tão rápido quanto a necessidade exige porque praticamente todas as iniciativas esbarram em fatores como a falta de padronização na forma como o sistema de saúde capta as informações - uma grande parte dos prontuários ainda é feita em papel- e a falta de interoperabilidade entre os sistemas - muitas vezes duas UBSs do mesmo bairro não sabem as informações dos pacientes que são atendidos em ambas, sem falar do ambiente privado no qual as informações de uma operadora de saúde nunca é conhecida por por outra.
Toda essa realidade coloca essas organizações na incômoda situação de se preocupar com um provável aumento de seus gastos, ao invés de apenas comemorar a redução dos índices de desemprego do país, que em tese, deveria ser uma boa notícia para todas as atividades econômicas.
(*) Jhonata Emerick é CEO da Datarisk